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A “Piada” que Desmascara o Racismo: Poder, Escolha e a Performance da Branquitude Progressista

O palco literário, palco de encontros, se tornou espelho da persistente lógica colonial. Em 2025, o gesto de uma escritora branca, Camila Panizzi Luz, transcendeu a mera “brincadeira” ou “distração”. Sua tentativa de se aproximar da estética marginal, ao invés de promover a escuta, revelou um projeto: o racismo.

Ao debochar sobre sua “entrada na sociedade” após flertar com a imagem da prisão e ao instrumentalizar o autor negro Wesley Barbosa, Camila expôs a ferida colonial da branquitude. A condescendência travestida de solidariedade ecoou a velha pedagogia da dominação, silenciando vozes em nome de uma inclusão performática.

A branquitude brasileira, em especial a autodenominada progressista, precisa confrontar sua herança. A escravidão não foi um desvio histórico, mas sim uma política de Estado cujas estruturas persistem. A associação, ainda que em tom de “piada”, entre homens negros e a prisão, perpetua essa lógica escravocrata, reafirmando o pacto narcísico da branquitude com a violência.

Não se trata de ignorância, mas de escolha consciente. Em 2025, alegar “aprendizado” sobre racismo é, na verdade, optar por não confrontar privilégios arraigados. Camila não “escorregou”; ela exerceu poder, sentando-se no trono da soberba e usando o microfone para silenciar o outro sob o pretexto da inclusão.

A naturalização da prisão como identidade para pessoas negras é uma das manifestações mais violentas do racismo estrutural brasileiro. Reduzir a potência de uma literatura marginal a uma “piada” é, além de insensível, criminoso. A alegação de “má interpretação” não se sustenta diante da precisão com que o estereótipo foi evocado.

A resposta firme do Flipoços, ao retirar a autora da programação e declarar apoio a Wesley Barbosa e ao Coletivo Neomarginais, foi um passo necessário, embora mínimo. Instituições culturais precisam parar de relativizar a violência quando ela se disfarça de boas intenções. É imperativo nomear o ocorrido: racismo, um exercício de poder que só existe enquanto alguém é mantido subjugado.

A justificativa de Camila, de que sempre “abriu espaço para outras vozes”, revela a raiz do problema: que espaço é esse que precisa ser “cedido”? Por que a voz negra só é validada por uma curadoria branca? Não se trata de “abrir espaço”, mas de sair do caminho.

Literatura não é performance de virtude, mas sim instrumento de memória e ruptura. Ao utilizar sua posição para reforçar grilhões simbólicos, a autora não demonstra ingenuidade, mas cumplicidade.

Wesley Barbosa não foi apenas desrespeitado, mas violentado em sua representação da insurgência de uma voz que não necessita de chancela branca para existir. Seu simples ato de “estar” causou desconforto, desafiando aqueles que ainda acreditam que o centro do mundo deve se espelhar em sua imagem.

O episódio do Flipoços exige uma reflexão profunda. Os festivais literários do futuro devem transcender mesas inclusivas, construindo estruturas que reconheçam o racismo como escolha ideológica e o combatam como tal. Escritores negros não devem ser tolerados como exceção, mas reconhecidos como parte essencial da literatura brasileira.

E que a branquitude, finalmente, abandone a “brincadeira” de ser marginal, usufruindo da liberdade que só ela possui: a de rir, sair ilesa e retornar para casa sem algemas, sejam elas físicas ou simbólicas.

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